65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
INTERVENÇÕES, RELATOS E EMPODERAMENTO: O PARTO NA PERSPECTIVA FEMININA
Fernanda Maria de Lira Correia - Graduanda de Psicologia, UFPE.
Dandara Maria Oniilari Ferreira da Silva - Graduanda de Psicologia, UFPE
Roberta da Silva Pereira - Graduanda de Psicologia, UFPE
Elaine Müller - Profa. Dra./Orientadora – Depto. de Antropologia e Museologia, UFPE
INTRODUÇÃO:
Dar a luz na maternidade é atualmente a maneira hegemônica de se trazer um bebê ao mundo, a quase totalidade das parturientes recebe um atendimento profundamente medicalizado e padronizado. Antropologicamente falando, pode-se dizer que são inúmeros os possíveis “rituais” do nascer (DAVIS-FLOYD, 1992), mas não é exagero dizer que no contexto contemporâneo vimos uma espécie de massificação dos procedimentos e das concepções sobre o parto, numa assistência que esta autora (2001) tem chamado de tecnocrática.
Nos últimos anos tem ganhado fôlego um movimento de humanização do parto e do nascimento, reivindicando melhorias nos atendimentos e denunciando a crescente desumanização do nascimento. Neste contexto, os relatos das mulheres contando as suas experiências positivas e negativas com seus partos têm se tornado umas das principais ferramentas de ativismo e crítica social.
Este trabalho é resultado da pesquisa pautada nas narrativas de parto de mulheres com diferentes experiências de parturição, desenvolvida num projeto de extensão do grupo Narrativas do Nascer (DAM/UFPE).
Acreditamos que trabalhos que se pautam nas perspectivas femininas são peças fundamentais no entendimento do contexto obstétrico brasileiro, e na busca de mecanismos para a sua melhoria.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Identificar modelos de atendimento ao parto e nascimento mais comuns, e as intervenções obstétricas mais rotineiras. Analisar o impacto das intervenções obstétricas nas experiências das mulheres.
MÉTODOS:
Foram organizadas rodas de diálogos com a participação de mulheres que relataram suas experiências de parto e/ou cesárea, e profissionais da assistência ao parto e nascimento, que falaram sobre suas práticas. Os eventos eram abertos ao público, e houve debates em todas as rodas.
Os relatos foram gravados e transcritos, com a autorização das mulheres e profissionais. Foi feita análise de conteúdo dos relatos, percebendo-se quais os temas mais recorrentes.
Buscou-se identificar a repetição de modelos diferenciados de atendimento, e as diferentes repercussões destes modelos nos sentidos dados pelas mulheres às suas experiências.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Pode-se perceber que as intervenções feitas no atendimento ao parto eram centrais na forma como as mulheres davam sentido as suas experiências – quanto mais intervenções, mais negativas eram as lembranças.
Percebeu-se a existência de três padrões de atendimento mais recorrentes: o tecnocrático, o humanizado e o da tradição. O primeiro, o mais comum, está centrado na atuação do obstetra, em ambiente hospitalar, e costumeiramente vem acompanhado de intervenções que buscam resultados em curto prazo, com a aceleração da duração do trabalho de parto e parto. Estas intervenções podem causar desconforto à mulher, que tem o seu bem-estar, na maioria das vezes, deixado em segundo plano.
Outro modelo seria o da "tradição", perpetuado pela atuação das parteiras tradicionais, e que mescla procedimentos aprendidos empiricamente e pela oralidade de geração a geração, com novas práticas aprendidas em cursos de capacitação e no diálogo com outros profissionais que atuam no mesmo campo.
Por fim, o modelo mais recente seria o "humanizado", que defende o protagonismo da mulher em suas experiências, podendo mesclar as necessidades da mulher e da instituição que a está atendendo, ou seja, as decisões são tomadas de forma conjunta entre profissional e paciente.
CONCLUSÕES:
Concluímos que a riqueza do trabalho com os relatos de parto está na forma como eles são significativos tanto na elaboração das experiências quanto na construção das memórias das mulheres, o que vai além de classificações prévias.
No entanto, o atendimento tecnocrático, através das intervenções feitas sem consentimento da parturiente, deixa marcas físicas e emocionais nas mulheres. Em contraponto, as experiências de parto natural, sem intervenções, são lembradas como eventos profundamente significativos do curso da vida das mulheres, não apenas pela emoção da chegada do bebê, mas também como forma de empoderamento feminino.
Neste sentido, percebemos que o parto humanizado tem representado uma possibilidade de rever papeis tradicionais de gênero, ao tirar do parto seu sentido horrendo e de sofrimento. Segundo Simone Diniz (2012), comentando uma pesquisa na qual os homens diziam que a melhor coisa em ser homem é não dar à luz “se as mulheres podem tudo que os homens podem, e além do que o parto pode ser até uma coisa quase divertida, orgásmica etc., o que é que sobra de vantagem para a identidade masculina? A desconstrução da ideia do parto como maldição e sofrimento é uma ameaça conceitual de gênero extraordinária.”
Palavras-chave: Relato de parto, Movimento de humanização do parto e do nascimento, Protagonismo feminino.