65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
Para além dos determinismos: Gênero e pessoalidade na sociedade contemporânea
Adelina Bengtsson Bernardes - Graduanda/Faculdade de Direito da UFMG
Ana Cristina Cardoso - Graduanda/Faculdade de Direito da UFMG
Brunello Souza Stancioli - Prof. Dr./Orientador - Faculdade de Direito da UFMG
Franklin Marques Dutra - Graduando/Faculdade de Direito da UFMG
Laura Lovato Pires de Lemos - Graduanda/Faculdade de Direito da UFMG
Melina Pereira Gonçalves - Graduanda/Faculdade de Direito da UFMG
INTRODUÇÃO:
A divisão binária entre homens e mulheres apresenta-se arraigada no pensamento e no cotidiano de vastas sociedades contemporâneas. Ainda, esta tem sido a diferenciação adotada pelo sistema jurídico brasileiro como uma categorização natural no tocante às vivências pessoais. Entretanto, a naturalização desta dicotomia sexual como uma tônica que permeia o desenvolvimento da humanidade em sociedades parece ser uma falsa compreensão da realidade. Os movimentos LGBT ampliaram o espectro de identidades possíveis, trazendo novas demandas sociais. Além disso, estudos arqueológicos (JOYCE) apontaram para uma quebra da visão binário-dicotômica de gênero como regra. Ao longo da história, diferentes sociedades possibilitaram experiências de gênero diversificadas. O Direito, entretanto, se mantém vinculado a essa dicotomia, diametralmente opondo homens e mulheres, simultaneamente dividindo-os e construindo-os, ao conferi-los diferentes papéis, deveres e direitos, como agentes de construção normativa e social. Este estudo demonstrou a inadequação da distinção tradicional de gênero, ressaltando que o Direito não deve ser agente de produção de modelos estanques de identidade, mas que deve possibilitar as inúmeras maneiras de vivência das construções de seres humanos como pessoas autorrealizadas.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Buscou-se demonstrar que o Direito adota uma concepção dicotômica de gênero, restritiva da vivência da pessoalidade. Afirmou-se que a construção social do gênero a partir da ideia de emergência da pessoalidade. Objetivou-se também articular uma concepção de vivência pluralizada da sexualidade e das formas de ser pessoa, mais adequadas aos Estados Democráticos de Direito contemporâneos.
MÉTODOS:
A pesquisa baseou-se em um recorte teórico e bibliográfico notadamente interdisciplinar e aplicado à realidade, que aponta para uma redefinição do conceito de pessoa e de identidade pessoal a partir da ideia da emergência. As construções de STANCIOLI nos permitem analisar a pessoa não como um dado, mas como um “potencial criativo ilimitado” que tende a emergir de sistemas complexos (BUNGE). Para que esta emergência da pessoalidade ocorra, é necessário que vivência corporal como espaço de autodeterminação, universo informacional e linguagem interajam entre si, simbólica e diretamente com o ambiente (INGOLD), possuindo a intersubjetividade, assim, cabal importância para o livre desenvolvimento das formas de ser pessoa. Finalmente, o presente estudo ainda debruçou-se sobre os impactos gerados pelas tecnologias e novas ferramentas no conceito de corpo e de pessoa, observando em NICOLELIS e em CLARK e CHALMERS que imagem corporal e senso de self não são dados, mas construções plásticas e fluidas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Apesar de divergências quanto às maneiras pelas quais o gênero é incorporado (embodied gender) as contemporâneas análises apontam um consenso para a noção de que o gênero é socialmente construído. Em INGOLD, temos que cada organismo, em qualquer momento de seu ciclo de vida, é o produto de uma complexa e contínua interação entre fatores genéticos e ambientais. O gênero deve ser, nesse sentido, entendido como algo fluido, de caráter discursivo e cultural. Recortes históricos exemplificam tal afirmação. Pode-se perceber a fluidez do papel de gênero no assentamento paleolítico Dolní Vestonice, na atual República Tcheca, onde características como o domínio de alguma arte ou habilidade têxtil era o que diferenciava os membros dessa comunidade e os inclui em determinado gênero. Nos EUA, em sociedades ameríndias, constatou-se a existência de um segmento social, o “terceiro gênero”, composto por homossexuais, mulheres em menopausa e celibatários. Atualmente na Índia e no Paquistão vivem os hijras que formam o terceiro gênero e não são “homens, nem mulheres”, mas possuem características de ambos os gêneros. Nota-se, portanto, que as configurações dicotômicas de gênero são apenas algumas das vivências possíveis e que as pessoas são seres capazes de ampla criação de realidades!
CONCLUSÕES:
O Direito, por adotar uma divisão sexual binária, tem se mostrado engessado pela heteronormatividade, por sua vez assentada em discursos meramente biologizantes que não correspondem à realidade abarcadora de múltiplas vivências de gênero e sexualidade. O acesso a direitos e bens da vida vinculado ao enquadramento da pessoa em uma dessas categorias normativas de gênero reflete uma lógica excludente que deixa à margem do ordenamento jurídico inúmeras formas de construção da pessoalidade não necessariamente adstritas ao paradigma binário. Em decorrência disso, pessoas não enquadradas nesses termos ficam marginalizadas, limitadas no exercício de suas autonomias. Manifestações dessa discriminação são patentes no Direito. Por exemplo, a restrição da possibilidade legal do casamento somente a casais heterossexuais e o registro e identidade civil, que exigem a identificação dentro do binômio de gênero, impondo obstáculos aos interssexos e transsexuais. No contexto atual, de reivindicações do reconhecimento da pluralidade de expressões de gênero e sexualidade, cabe ao Direito abarcá-las, possibilitando a todos a livre vivência da pessoalidade que é plástica e fluida, desvirtuando-se do padrão normativo binário de gênero ética e historicamente infundado.
Palavras-chave: Gênero, Direito, Construção.