66ª Reunião Anual da SBPC
Resumo aceito para apresentação na 66ª Reunião Anual da SBPC pela(o):
SBPC - SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 1. Sociologia
TRABALHO, AMBIENTE E SAÚDE: SOBRE A HISTÓRIA DO EXÉRCITO DE MATA MOSQUITOS NO ACRE E O USO DE DICLORO-DIFENIL-TRICLOROETANO (DDT)
Josina Maria Pontes Ribeiro de Alcântara - Mestra. Instituto Federal do Acre (IFAC)
Luis Pedro de Melo Plese - Doutor. Instituto Federal do Acre (IFAC)
Pedro Raimundo Soares de Souza - Mestre. Instituto Federal do Acre (IFAC)
INTRODUÇÃO:
Marcos destes trabalhadores no Acre ficam delimitados a partir do ciclo econômico da borracha (1879-1912 e 1942- 1945), quando de 1910 a 1913 ocorreram expedições de Carlos Chagas à Amazônia, contratadas pela Superintendência de Defesa da Borracha. Registre-se, também, a organização do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em cooperação com o Governo Americano e assinatura de convênio para atividades de saneamento, profilaxia da malária e assistência médico-sanitária às populações da Amazônia, todas em 1942.
No ciclo econômico da agropecuária (a partir de 1970), ocorreu a criação da CEM e da SUCAM, em 1965 e 1970, consecutivamente. Como consequência sociais destes processos, a (des)ocupação de territórios com matança de indígenas, arregimentação de força de trabalho de imigrantes, impactos ambientais devido à intervenção do homem sobre a natureza mediante implantação de uma infraestrutura mínima à produção e a utilização de novas tecnologias.
Trata-se de um trabalho pioneiro, que contribuiu para que se precisassem, mediante registros escritos e audiovisuais, os locais de armazenamento e borrifação de DDT para análise de teor de contaminação de solos por profissionais da área de agronomia, corroborando a importância da transdisciplinaridade nas instituições de ensino.
OBJETIVO DO TRABALHO:
O objetivo foi reconstruir condições de trabalho, especialmente transporte, armazenamento e uso de DDT, por antigos guardas da Campanha de Erradicação de Malária (CEM) e/ou Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), considerando uso indiscriminado do inseticida no Acre para tanto na agricultura, até 1985; como em campanhas de saúde pública para controle da malária, de 1982 até 1998.
MÉTODOS:
O método empregado foi o dialético, evidenciando o estudo das relações de trabalho como resultado de um complexo de processos inter-relacionados, em mudança ininterrupta. Como parte da abordagem qualitativa, procedeu-se revisão bibliográfica e documental, identificando-se estudos que versavam sobre contaminação de trabalhadores em outros Estados brasileiros, mas que não descreviam com clareza as condições de uso, transporte e armazenamento do produto.
Outros achados documentais foram significativos, como apostilas de cursos, fotografias e memórias ou relatórios institucionais de posse dos trabalhadores. Na tentativa de preencher lacunas decorrentes da falta de registros, procedeu-se a coleta de histórias de vida tópicas com 16 trabalhadores da CEM e/ou SUCAM, pertencentes a 16 municípios.
A escolha dos municípios respeitou critérios como proximidade dos Câmpus do IFAC, disponibilidade de recursos e necessidade de que se contemplassem as cinco regionais administrativas do Estado. Quanto aos trabalhadores, respeitou-se o critério de antiguidade na área, conforme indicação da Associação DDT – Luta pela Vida que possuía registro de 558 trabalhadores em todos os municípios acreanos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Trabalhadores da CEM e SUCAM no Acre desconheciam riscos de contaminação por DDT até proibição de uso em campanhas de saúde pública, embora discussões internacionais fossem amplas desde 1962. Não havia informação adequada nos treinamentos realizados e os sacos de DDT vinham com inscrições em língua inglesa, o que dificultava o entendimento face a baixa escolaridade existente.
O armazenamento de DDT ocorria em locais inapropriados, por vezes alagadiços, com pouca ou nenhuma ventilação, onde ocorria também a pesagem do produto com equipamentos de proteção individual incompleto. O transporte em embarcações, carros ou nas costas dos que desbravavam a selva amazônica trazia riscos ao meio ambiente e a vida dos mesmos tanto quando dormiam por cima das caixas de DDT, quando barcos viravam nos mananciais ou, ainda, quando dispunham alimentos próximos ao inseticida. A mistura do produto para o trabalho de borrifação era feita em baldes de alumínio, também usados para transportar água.
A lavagem da bomba de aplicação do inseticida em mananciais alertou trabalhadores quanto a gravidade do produto, posto que percebiam a morte imediata de peixes. Ademais, tonturas, dores de cabeça e alergias, embora fossem levados a crer que o mal estar sentido decorria da precária alimentação, longas caminhadas pelos varadouros ou do não reestabelecimento completo de saúde, quando acometidos pela malária que combatiam.
Distanciados dos familiares por meses, embrenhados em seringais, trabalhadores agradeciam com sobras de DDT a acolhida na floresta por parte dos seringueiros, uma estratégia de sobrevivência que justificava o uso de DDT na agricultura, mesmo depois da proibição. Também são relatados episódios de uso para matar piolhos, por vezes com uso nos filhos dos trabalhadores, como também para tratamento de doenças em animais. Quando da proibição definitiva em campanhas de saúde, há relatos em Cruzeiro do Sul de enterro de DDT em terrenos baldios ou em área dos depósitos.
CONCLUSÕES:
A memória refletida em histórias de vida destacou omissão do poder público com recursos naturais e saúde de seres humanos, especialmente o exército de mata-mosquitos. O mito da grande família aplicado às culturas organizacionais, a natureza adversa do trabalho que impedia maior escolarização e a exigências de disciplina e subordinação típica do serviço militar, silenciavam trabalhadores sobre processos sociais ou os impedia de questioná-los. O registro sobre uso do pesticida em situações de trabalho na saúde traz à tona questões que carecem de maior aprofundamento teórico/prático, tais como: determinação de teores de DDT em solo, água e seres vivos; análise das respostas governamentais quanto ao cumprimento da Lei nº 11.936, de 14 de maio de 2009, que determinava o período de dois anos para avaliação do impacto ambiental e sanitário causado na Amazônia. Também se torna necessário a realização de estudos sobre identidade e precarização do trabalho com agentes de endemias no Acre.
Palavras-chave: Trabalho, DDT, Saúde.