(Agência SBPC) – Em toda a  bacia amazônica há um tipo de mamífero que, apesar do porte avantajado,  é difícil visualizá-lo devido ao seu comportamento um tanto discreto e  à turbidez das águas dos rios da Amazônia. Mas nas últimas três  décadas, pesquisadores da região realizaram uma série de estudos que  possibilitaram conhecer melhor e assegurar a preservação dessa espécie  que está ameaçada de extinção: a Trichechus inunguis, mais conhecida  como peixe-boi da Amazônia.
                                                      
                                                      “Temos um mosaico de informações sobre essa espécie, que é a  única das três existentes no mundo que vive em água doce. São vários  trabalhos que formam um retrato que nos permite entendê-la melhor no  ecossistema e estudar medidas de conservação”, diz a pesquisadora do  Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Vera Maria Ferreira  da Silva. Ela abordou esse assunto em uma conferência durante a 61ª  Reunião Anual da SBPC, em Manaus (AM). 
                                                      
                                                      De acordo com Vera Maria, o peixe-boi da Amazônia exerce um  papel fundamental na cadeia alimentar e no ecossistema aquático  amazônico. Ao se alimentar nas grandes ilhas de capim flutuante  existentes nos rios da Amazônia, o maior herbívoro aquático controla o  crescimento dessas plantas e, com suas fezes e urina, fertiliza as  águas, contribuindo para a manutenção do ambiente. “Ele transforma  essas macrófitas em partículas menores, por meio de suas fezes, que  servem de alimento para outras espécies de animais também presentes nos  rios da Amazônia”, conta a pesquisadora.
                                                      
                                                      Extinção – O peixe-boi teve muita importância no período de  colonização do Brasil, em que foi a base de alimentação, primeiramente  dos indígenas e, depois, dos colonizadores europeus. Além de ser  consumida em diversas regiões do País, a carne do animal era exportada  para a Europa, preservada em sua própria gordura, que também era  utilizada para iluminação. E seu couro era usado para a fabricação de  cola e correias de maquinários, como as de teares e veículos de  locomoção, o que levou ao rápido declínio da espécie.
                                                      
                                                      “Milhares de peixes-bois da Amazônia foram mortos com essas  finalidades. O padre José de Anchieta já falava, em seus relatos da  época, sobre a matança do animal e há diversos registros sobre a  retirada deles da Amazônia”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, em um  desses documentos históricos consta que, em um período de 30 anos, 200  mil couros de peixe-boi foram exportados para fora da região amazônica.  E que as fêmeas, juntamente com seus filhotes, eram mais vulneráreis à  captura e mais visadas pelos pescadores por terem mais gordura  acumulada do que os machos. 
                                                      
                                                      Os pesquisadores não possuem estimativas do tamanho da população  de peixes-bois da Amazônia, devido à dificuldade de se observar o  animal em seu ambiente natural. O que se sabe, é que a população da  espécie foi drasticamente reduzida nos últimos anos, mas acredita-se  que esteja em recuperação atualmente em função da proteção legal do  animal. Programas de reintrodução de filhotes mantidos em cativeiro,  como o coordenado pelo Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA), do  Inpa, também estão dando sua contribuição para a conservação da espécie.
                                                      
                                                      Reprodução – Fundado em 1974, o “Projeto Peixe-boi”, do LMA,  desenvolveu os primeiros estudos sobre a biologia e conservação do  peixe-boi da Amazônia, em que obteve importantes resultados sobre o  metabolismo e a fisiologia da espécie. Mas o maior passo dado pelos  pesquisadores do Laboratório foi conseguir reproduzir o animal, que  vive mais de 50 anos e se reproduz a partir dos sete anos, em  cativeiro. A capacidade de reprodução em cativeiro possibilita repovoar  outras áreas da bacia amazônica onde a espécie não estiver mais  presente e manejá-la no ecossistema aquático.
                                                      
                                                      “O peixe-boi da Amazônia é uma espécie que sobrevive bem em  cativeiro. Mas sua reintrodução no ambiente natural é um desafio,  porque esses animais ficam muito tempo em tanques e é difícil  adaptá-los a uma nova vida, na natureza, sem nunca terem vivido nesse  ambiente”, explica a pesquisadora.   
                                                      
                                                      Segundo ela, uma das linhas de pesquisa em que estão trabalhando  atualmente é com a bioacústica. Já utilizada em estudos populacionais  de outras espécies de mamíferos marinhos, como baleias e golfinhos, por  meio desta técnica, em que são instalados aparelhos gravadores de som  no fundo dos oceanos, é possível estimar o tamanho da população de uma  espécie em uma determinada área e analisar suas rotas migratórias. “Com  essa ferramenta para estudos populacionais podemos fazer um censo  acústico para estimar quantos peixes-bois há em um determinado rio ou  lago e o número de animais migrantes”, detalha a pesquisadora. 
                                                      
                                                      Outro desdobramento desse trabalho foi a habilidade de se  diferenciar machos das fêmeas e dos filhotes por meio de suas vozes.  Atualmente, os pesquisadores estão estudando a evolução vocal dos  filhotes de peixe-boi da Amazônia, como se estabelece a comunicação  entre a mãe e o filhote e se essa comunicação continua quando são  separados na natureza. “Queremos saber se a voz deles representa uma  assinatura única. Mas ainda estamos longe de obter respostas  específicas”, afirma Vera Maria. 
                                                      
                                                      
                                                      Elton Alisson, da Assessoria de Imprensa da SBPC, para a Agência SBPC