Astronomia indígena prevê ocorrência
                      da pororoca 
                   
                  Índios brasileiros sabiam da influência
                        da lua sobre as marés muito antes de Galileu e Newton.
                        Assunto será abordado na 61ª. Reunião
                    da SBPC, em Manaus.  
                    
                    Ao
                    observarem atentamente o céu
                    quando as águas dos mares e rios se agitavam, os indígenas
                    brasileiros fizeram uma descoberta que Galileu Galilei ignorou
                    e Isaac Newton chegou à mesma conclusão somente
                    quase um século depois: que a lua é a principal
                    causadora das marés. E que a pororoca, o fenômeno
                    provocado por elas, em que as águas bravias do mar
                    se chocam violentamente contra as de rios, como do Amazonas,
                    dando origem a grandes ondas, ocorre próxima às
                    fases da lua nova e cheia, conforme hoje se sabe e eles já descreviam
                    em seus antigos mitos. 
                     
                    Em 1632, Galileu Galilei publicou o
                    livro “ Diálogo
                    sobre os dois máximos sistemas do mundo: ptolomaico
                    e copernicano” , em que afirma que a principal causa das
                    marés seriam os dois movimentos circulares da Terra:
                    o de rotação em torno de seu eixo, que ocorre
                    todos os dias, e o de translação em torno do
                    sol, que acontece anualmente, desconsiderando a influência
                    da Lua. Somente em 1687, Isaac Newton demonstrou que a causa
                    das marés é a atração gravitacional
                    do sol e, principalmente, da lua sobre a superfície
                    da Terra. 
                     
                    Mas, antes da publicação da obra de Newton,
                    em 1614, o missionário capuchinho francês Claude
                    d'Abbeville publicou em Paris o livro ““Histoire de la mission
                    de pères capucins en l'Isle de Maragnan et terres
                    circonvoisines”. Na publicação, d'Abbeville
                    narra suas observações do convívio por
                    quatro meses com índios tupinambás, da família
                    dos tupi-guarani, no Maranhão, localizados perto da
                    Linha do Equador. 
                     
                    Uma das anotações do missionário francês
                    diz que “os tupinambás atribuem à lua o fluxo
                    e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés
                    cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos
                    dias depois”. O que confirma o conhecimento por esses povos
                    da relação entre as marés e as fases
                    da lua muito antes das teorias de Galileu e de Newton. 
                     
                    “ Todas
                    as civilizações antigas,
                    antes de terem escrituras e se tornarem de nômades
                    a sedentários, liam os astros para construírem
                    calendário e buscarem orientações para
                    regular suas vidas”, aponta o autor da descoberta, o astrônomo
                    Germano Bruno Afonso, professor visitante do Conselho Nacional
                    de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
                    (CNPq) na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS).
                    O especialista abordará esse assunto em uma conferência
                    que fará na 61ª Reunião da SBPC – evento
                    que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
                    (SBPC) realizará de 12 a 17 de julho em Manaus (AM). 
                     
                    Descobertas – No
                    final da década
                    de 70, Afonso fez seu doutorado na França, onde teve
                    acesso ao livro de d'Abbeville, em que o capuchinho francês
                    menciona alguns nomes de constelações em tupi,
                    tais como, “curuçá” (cruzeiro do sul), “seichu” (plêiades), “tuibaé” (velho)
                    e “nhandutim” (ema). Ao analisá-los mais detidamente,
                    constatou que as constelações tinham correspondentes
                    em guarani, hoje, embora estejam separadas pela distância – em
                    mais de três mil quilômetros - e pelo tempo,
                    em cerca de quatrocentos anos. Baseado nessa descoberta,
                    começou a estudá-las em todas as regiões
                    do Brasil. 
                     
                    “Em outros países, essa disciplina, a etnoastronomia, é muito
                    estudada. Já se sabe muito sobre os incas, maias e
                    navajos, por exemplo. Mas sobre os índios brasileiros,
                    não se conhece nada. Só é possível
                    ampliar o conhecimento sobre eles em trabalhos de campo,
                    porque não existe nada nas bibliotecas”, avalia o
                    especialista, que fez outra grande descoberta ao justamente
                    se embrenhar em um desses trabalhos de campo. 
                     
                    Em 1991, arqueólogos acharam às margens do
                    Rio Iguaçu, no Paraná, onde estava sendo construída
                    uma hidrelétrica, um material arqueológico
                    que não conseguiram entender seu significado. Ao estudar
                    a rocha vertical, o pesquisador identificou que se tratava
                    de um instrumento de observação solar, conhecido
                    como “gnômon”. “Ele tinha quatro faces talhadas para
                    os pontos cardeais . Fui falar com os guaranis daquela região,
                    para ver se aquilo tinha sentido para eles, e percebi que
                    havia. Depois, encontrei instrumentos semelhantes a ele em
                    diversos outros locais do Brasil”, conta. 
                     
                    De
                    acordo com o pesquisador, um dos principais objetivos práticos da astronomia indígena era sua utilização
                    na agricultura. Por meio da observação da lua,
                    eles sabiam, por exemplo, que há uma maior incidência
                    de mosquitos na lua cheia do que na lua nova . O que poderia
                    ser útil para os órgãos de saúde
                    no Brasil combaterem hoje o mosquito Aedes aegypti ,
                    transmissor da dengue, determinando qual o melhor período
                  para promover ações de dedetização. 
                   
                    Serviço: A
                  palestra do astrônomo Germano
                      Bruno Afonso  será realizada no dia 17 de julho, às
                      10h30, durante a 61ª Reunião Anual da SBPC
                      que será realizada a partir do dia 12 em Manaus
                      (AM), no campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
                      O evento, cujo tema é “Amazônia: Ciência
                      e Cultura”, contará com 175 atividades, entre conferências,
                      simpósios, mesas-redondas, grupos de trabalho, encontros
                      e sessões especiais, além de apresentação
                      de trabalhos científicos e minicursos. Veja a programação
                  em www.sbpcnet.org.br/manaus .  
                    
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