Nanotecnologia para reduzir distorções
                      sociais 
                   
                    Conhecimentos
                        da área começam
                        a ser usados para promover impactos sociais na saúde
                        e no meio ambiente. Assunto será debatido na 61ª Reunião
                    da SBPC. 
                   
                    Um
                      sensor, semelhante a um sache de chá, que indica
                    se água da torneira ou de um rio é potável
                    ou se o líquido está contaminado por metais
                    pesados. E um cartão, parecido com um crachá,
                    dotado de um dosímetro (medidor de doses), que aponta
                    o nível de radiação ultravioleta a que
                    trabalhadores, que permanecem muito tempo expostos ao sol,
                    como operários da construção civil e
                    guardas de trânsito, são submetidos, e possibilita
                    evitar o câncer de pele. Desenvolvidos por pesquisadores
                    brasileiros, com base em princípios da nanotecnologia,
                    esses dispositivos são alguns dos exemplos do potencial
                    de utilização dessa área de fronteira
                    do conhecimento para promover impactos sociais em áreas
                    como a saúde humana e o meio ambiente. 
                     
“A ideia é utilizar a nanotecnologia para atuar em áreas
                    socialmente relevantes para corrigir distorções
                    sociais resultantes do próprio sistema capitalista,
                    que restringiu os avanços tecnológicos para
                    um número muito pequeno da população”,
                    explica Petrus d'Amorim Santa Cruz Oliveira, professor da
                    Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que abordará esse
                    assunto em um simpósio, durante a 61ª Reunião
                    Anual da SBPC. Promovido pela Sociedade Brasileira para o
                    Progresso da Ciência (SBPC), o evento será realizado
                    de 12 a 17 de julho em Manaus (AM). 
                     
                    O pesquisador cita como
                    exemplo as distorções
                    do chamado desequilíbrio “90/10”. Ele se refere aos
                    dados do Fórum Global para Pesquisas em Saúde,
                    da Organização Mundial da Saúde (OMS),
                    que indicam que apenas 10% dos gastos com pesquisa e desenvolvimento
                    em saúde são destinados para solucionar problemas
                    que afetam a população mais pobre do planeta.
                    Ou seja, 90% da população mundial. “São
                    doenças negligenciadas pelo simples fato de não
                    serem interessantes para as indústrias farmacêuticas” afirma
                    o pesquisador. 
                     
“O câncer de pele é uma das poucas doenças
                    para as quais a OMS não prevê redução
                    nas próximas décadas”, diz o pesquisador, que
                    coordena os projetos de pesquisa do sensor de poluentes na água
                    e do dosímetro de radiação solar na
                    UFPE. O mesmo se aplica à leishmaniose, que vem sendo
                    estudada pelos pesquisadores desta mesma instituição
                    com o objetivo de desenvolver kits de diagnóstico
                    para a moléstia. 
                     
                    De acordo com o pesquisador, a nanotecnologia
                    também
                    pode ser usada para “consertar” problemas decorrentes de
                    tecnologias passadas. Um exemplo é a sua aplicação
                    para diminuir a quantidade de rejeitos de processos industriais
                    e de produtos químicos nocivos à saúde,
                    como solventes, por exemplo, que são nocivos ao meio
                    ambiente. 
                     
                    Nesta nova área de pesquisa são utilizados,
                    por exemplo, preceitos da química verde, como os processos
                    que possuem um menor número de etapas de produção
                    e possibilitam diminuir a quantidade de rejeitos. Também
                    são usados processos do tipo “bottom-up” (de baixo
                    para cima), típicos da nanotecnologia molecular, em
                    que parte-se de estruturas atômicas ou moleculares
                    em direção a estruturas funcionais mais complexas,
                    como o próprio dosímetro de radiação
                    ultravioleta. “O dispositivo é uma molécula
                    complexa em que cada parte tem uma função,
                    sendo uma para mimetizar a pele e outra para permitir sua
                    leitura. E as partes moleculares são montadas como
                    peças do jogo Lego.” 
                     
                    Oportunidades para a pesquisa - Na
                    avaliação
                    de Oliveira, que coordena a Rede de Formação
                    de Recursos Humanos para Estudo das Implicações
                    das Nanotecnologias em Saúde e Meio Ambiente (RERHNAMI),
                    a nanotecnologia representa uma excelente oportunidade para
                    países com uma sociedade científica bem estruturada,
                    a exemplo do Brasil, mas que enfrentam dificuldade para converter
                    isso em desenvolvimento tecnológico. Isso se deve
                    ao fato de a nanotecnologia não depender de tecnologias
                    tradicionais. “Podemos tirar proveito desse momento de ruptura
                    nos processos tecnológicos para diminuir a defasagem
                    tecnológica do País, aproximando o desenvolvimento
                    científico do tecnológico”, afirma. 
                     
                    Para isso,
                    Oliveira aponta a necessidade de se fazer uso dos mecanismos
                    recém criados pelo Governo Federal
                    para incentivar a conversão do desenvolvimento científico
                    em tecnológico, como as leis de subvenção
                    econômica à inovação, e aproximar
                    as universidades e centros de pesquisa das empresas por meio
                    dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). 
                     
                    Evitando
                    novas negligências – Além
                    de produzir nanotecnologias com esta finalidade, os pesquisadores
                    da área têm outro desafio: evitar que sua aplicação
                    seja feita antes da análise de riscos e da comprovação
                    real de seu benefício social. Atual coordenador de
                    inovação do INCT de Nanotecnologias para Marcadores
                    Integrados (Inami), do Ministério de Ciência
                    e Tecnologia (MCT/CNPq), o pesquisador também acaba
                    de assumir a coordenação da RERHNAMI, uma das
                    38 sub-redes ligadas à recém lançada
                    Nanobiotec Brasil, do Ministério da Educação
                    (MEC/Capes). “Um dos objetivos desta sub-rede é justamente
                    a formação de recursos humanos para estudo
                    das implicações das nanotecnologias nas áreas
                    da saúde e meio ambiente para evitar a exposição
                    a novos riscos por negligência”, diz. 
                     
                    Esses riscos,
                    diz ele, podem ser minimizados tomando-se como base os princípios da precaução.
                    Ou seja, na dúvida sobre as implicações
                    de uma nova tecnologia deve se esperar por novos estudos
                    antes de se disponibilizar suas novas aplicações. “De
                    um lado, estudamos os dispositivos, mas também analisamos
                    as implicações e conseqüências dessas
                    nanotecnologias experimentais de forma a evitar erros cometidos
                    pelas tecnologias convencionais. Mesmo aplicando a nanotecnologia
                    em materiais convencionais, reavaliamos todos os riscos,
                    porque eles dependem de escala de tamanho. Por isso, é necessário
                    estudar todos os possíveis impactos causados pelas
                    nanotecnologias”, finaliza o pesquisador. 
                     
                    Serviço: O
                    simpósio
                    sobre nanotecnologias sociais será realizado no dia
                    14 de julho, às 14h30, durante a 61ª Reunião
                    Anual da SBPC, que será realizada a partir do dia
                    12 em Manaus (AM), no campus da Universidade Federal do Amazonas
                    (UFAM). O evento, cujo tema é “Amazônia: Ciência
                    e Cultura”, contará com 175 atividades, entre conferências,
                    simpósios, mesas-redondas, grupos de trabalho, encontros
                    e sessões especiais, além de apresentação
                    de trabalhos científicos e minicursos. Veja a programação
                    em www.sbpcnet.org.br/manaus .                      
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