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26/7/2012 - Especialistas discutem como conciliar saberes tradicionais e pesquisas científicas

Como conciliar a Ciência e o uso de saberes tradicionais para o desenvolvimento do País? O ponto de interrogação é de especialistas e representantes indígenas que discutiram ontem (25) o tema central da 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na mesa-redonda "Saberes Tradicionais e pesquisa científica – desenvolvimento de produtos e processos para enfrentar a pobreza". Realizado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, o evento encerra amanhã.

Na discussão, os especialistas destacaram a importância de investimentos em Educação, alinhados a investimentos em pesquisas científicas, a fim de explorar o potencial da biodiversidade brasileira. Reconheceram o uso de saberes tradicionais como "uma fonte valiosa de investigação científica e tecnológica para a criação de produtos". Consideraram também o potencial brasileiro para o desenvolvimento de medicamentos, por exemplo, já que o País historicamente acumula déficit bilionário na balança comercial de fármacos. Assim, contribuir para o desenvolvimento do País.

A tendência é de uma mudança no atual modelo internacional de desenvolvimento econômico, uma vez que os saberes tradicionais passam a ser reconhecidos no avanço de uma nação. Nas palavras do antropólogo Alfredo Wagner Almeida, presidente do Programa Nova Cartografia Social da Amazônia, na primeira década do século XXI há uma significativa movimentação internacional para o reconhecimento de saberes tradicionais no processo de desenvolvimento.

O ponto de partida para esse cenário, analisou o antropólogo, é a Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Fruto da Eco-92, conferência internacional realizada em 1992 no Rio de Janeiro, a Convenção já foi assinada por 175 países, dos quais 168 a ratificaram, incluindo o Brasil, via o Decreto Nº 2.519 de 16 de março de 1998. Em linhas gerais, a CDB propõe regras para assegurar a conservação e uso sustentável da biodiversidade e a justa repartição dos benefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos.

"Um ponto importante é o reconhecimento internacional da igualdade jurídica da expressão cultural entre diferentes povos e comunidades. Esse é o ponto central. Hoje temos a igualdade jurídica", disse o antropólogo, também conselheiro da SBPC, que participou do debate de ontem.

A mesa de discussões foi dividida com a presença de Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da coordenação do Projeto Biota-Fapesp. E da advogada Fernanda Kaingang, dirigente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi).

Ao fazer a abertura do evento, a secretária-geral da SBPC, Rute Andrade, também pesquisadora do Instituto Butantan (SP), avaliou que o debate deverá "contribuir muito" para o avanço da sociedade brasileira. Ela intermediou a mesa de discussão ontem.

Novos horizontes - Até então, o tema sobre os saberes tradicionais, segundo o antropólogo, limitava-se ao movimento indígena proposto pela Universidade e pelo Estado. Hoje, porém, a questão do uso dos conhecimentos milenares de vários povos foi ampliada: é um tema das universidades e dos movimentos sociais pautado em uma relação estratégica empresarial.

Benefícios da química verde - Por sua vez, a pesquisadora da Unesp, Vanderlan, considerou os benefícios econômicos provenientes da química verde de produtos naturais, como as plantas. Reconhecendo a importância do uso de saberes tradicionais, os atribuiu a "uma ferramenta útil" utilizada nas pesquisas sobre a ciência de plantas e no desenvolvimento tecnológico de produtos com alto valor agregado. Nesse caso, ela considera fundamental o investimento em pesquisa e em educação nos usos tradicionais para agregar valor aos conhecimentos milenares de vários povos. "Não se pode falar de um novo conhecimento e de inovação sem citar a Educação", alertou.

Como um exemplo bem sucedido sobre a apropriação da ciência nos conhecimentos tradicionais, Vanderlan citou o caso da planta Taxus brevifolia (Taxaceae) - nativa da costa ocidental da América do Norte (Ocorrência do Alasca à Califórnia). Era usada na medicina popular pelos nativos americanos como produtos "para dar força", induzir a transpiração, em tratamento de ferimentos internos e para a cura doenças pulmonares. Pela sua resistência, a planta é usada tradicionalmente na elaboração de remos de canoa, molduras de quadro, marcenaria.

Resultado de 15 anos de pesquisa acadêmica, estimada em US$ 400 milhões, Vanderlan relatou que os cientistas descobriram que essa planta pode ser usada para tratamento de câncer de mama. Assim, em 1994, esse conhecimento científico foi aprovado pela FDA (agência reguladora de produtos alimentícios e farmacêuticos nos Estados Unidos) para o tratamento dessa doença.

"Isso mostra a importância da pesquisa científica de excelência sobre saberes tradicionais no desenvolvimento de produtos e processos", declarou a cientista da Unesp. Ela destacou que os saberes tradicionais dessa planta é um processo contínuo de desenvolvimento.

Potencial brasileiro - Vanderlan analisou o cenário atual do mercado mundial de produtos derivados de plantas e citou o potencial da biodiversidade brasileira que pode ser explorada pela pesquisa científica no processo de desenvolvimento de medicamentos, por exemplo. Com base em dados internacionais, Vanderlan disse que os gastos internacionais com a saúde são estimados em US$ 179 bilhões este ano.

A apresentação de Vanderlan revela que as espécies de plantas de uso tradicional utilizadas pelos índios da Amazônia "inspiraram" o desenvolvimento de uma classe de medicamentos anestésicos. Um exemplo é o Atracurium (Tracurium), um dos derivados sintéticos fundamentados na estrutura de Tubocurarina. A pesquisadora lembrou que a "introdução de tubocurarina na prática anestésica, por Griffith e Johnson, em 1942, provocou alterações profundas na anestesiologia."

Com base em estudo do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Vanderlan declarou que agregação de valores da cadeia produtiva de plantas medicinais é substancialmente maior do que a da soja. Segundo o estudo, o coeficiente de agregação de valor calculado para a cadeia de plantas medicinais é de 16,24, contra 2,22 da cadeia da soja.

Análise indígena – Ao avaliar as discussões, a dirigente do Inbrapi, Fernanda, reiterou o fato de os indígenas serem os protagonistas da conservação da biodiversidade brasileira, ao responderem hoje por mais de 13% do território nacional. Em uma alusão às empresas multinacionais que exploram a biodiversidade brasileira, a advogada disse faltar repartir os benefícios "com quem conserva os conhecimentos científicos". Ela chamou de "biopirataria" a exploração do conhecimento tradicional sem a contrapartida. A indígena também considerou fundamental promover a discussão sobre aplicação da "ética nas pesquisas" na comunidade acadêmica.

Desafios brasileiros – A indígena defendeu o avanço na tramitação da Medida Provisória (MP) 2.186-16, de 23/08/01, segundo a qual dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, dentre outros normas que podem preservar o uso dos saberes tradicionais. A MP também prevê a repartição de benefícios e o acesso e a transferência de tecnologia para sua conservação e utilização.

O debate foi elogiado pela plateia - composta por dezenas de alunos, pesquisadores, professores e cientistas - que aplaudiu as discussões e contribuiu para esquentá-las. Um alerta partiu de um participante da plateia sobre testes de empresas que vêm ocorrendo na Amazônia para exploração de petróleo.

Ao final do debate, o secretário regional da SBPC no Maranhão, Luís Alves, recomendou a comunidade acadêmica a trabalhar com os elementos apresentados ontem. "Ela tem de mostrar que o bem comum tem de ser respeitado", disse ele, também médico patologista e professor da UFMA.

Alfredo Wagner também sugeriu ampliar o debate sobre como conciliar o uso de saberes tradicionais com as pesquisas científicas. "O consenso é mal porque ele é burro", disse ele, parafraseando Nelson Rodrigues e descartando o consenso nas discussões de ontem.

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)



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